Justiça suspende contrato de R$ 6,6 milhões entre prefeitura do AM e advogado; esquema usava royalties do petróleo

Justiça suspende contrato de R$ 6,6 milhões entre prefeitura do AM e advogado; esquema usava royalties do petróleo

Nhamundá (AM) – Diante de indícios de enriquecimento ilícito e falta de transparência na aplicação de recursos públicos, a Justiça concedeu tutela de urgência determinando a suspensão imediata do contrato entre a Prefeitura de Nhamundá e o escritório de advocacia de Gustavo Freitas Macedo. A decisão, proferida pelo juiz Marcelo Cruz de Oliveira, que o Portal Tucumã teve acesso com exclusividade, também obriga a criação de um portal detalhado sobre os royalties do petróleo, com multa diária em caso de descumprimento, buscando resguardar os cofres públicos e garantir transparência à população.

Diário de Justiça Eletrônico Nacional de 15/09/2025

A decisão é o resultado de um pedido do Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), que propôs uma Ação Civil Pública (ACP) que coloca a Prefeitura de Nhamundá e a prefeita Marina Pandolfo sob intensa investigação por suspeita de corrupção e enriquecimento ilícito. A ação, registrada no processo nº 0001507-70.2025.8.04.6100, aponta um esquema envolvendo a contratação ilegal de um escritório de advocacia, que teria recebido milhões de reais oriundos de royalties do petróleo sem que houvesse comprovação de benefícios à população.

Segundo o MPAM, o contrato celebrado entre a prefeitura e o advogado Gustavo Freitas Macedo, representante da Sociedade Individual de Advocacia homônima, apresentava “vícios insanáveis” que indicam clara intenção de beneficiar indevidamente o escritório e a administração municipal. Os valores pagos pelo município chegam a cifras milionárias, enquanto obras essenciais permanecem sem conclusão e serviços básicos enfrentam graves problemas.

O contrato ilegal nº 033/2021: Início do esquema

O cerne da investigação está no Contrato nº 033/2021, firmado entre a Prefeitura de Nhamundá e o advogado Gustavo Freitas Macedo. Segundo a ACP, a contratação direta teria sido justificada pela suposta “notória especialização” do profissional, mas a análise do currículo dele nos autos demonstra o contrário. À época da contratação, em 2021, o advogado possuía apenas duas pós-graduações: uma em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, concluída em 2009, e outra em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera, de 2013.

“Uma pós-graduação específica em Direito do Petróleo e Gás foi concluída apenas em julho de 2023, dois anos após a contratação”.

O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE/AM), no Acórdão nº 1862/2024, considerou procedente a representação contra a Prefeitura, constatando violação do art. 25, II, da Lei 8.666/93, por não atender aos requisitos de “singularidade do objeto” e “notória especialização”.

Outro ponto crítico do contrato é a cláusula de “ad exitum”, que estipulava pagamento de 20% de todo valor recebido pelo município a título de royalties, imediatamente após o primeiro repasse decorrente de decisão judicial, mesmo que provisória. O TCE/AM qualificou o contrato como “de risco” e lesivo ao erário, destacando que o pagamento não estava condicionado ao sucesso final da ação judicial.

“A importância mensal de 20% (vinte por cento) do benefício econômico efetivamente proporcionado ao município em razão das decisões judiciais ou administrativas obtidas, a contar da data do primeiro repasse após a decisão judicial” .

Diário de Justiça Eletrônico Nacional de 15/09/2025

O juiz Marcelo Cruz de Oliveira ressaltou que decisões análogas em outros estados determinam que honorários sejam pagos somente após o trânsito em julgado, para evitar prejuízos financeiros desnecessários aos cofres públicos.

Valores milionários e risco de enriquecimento ilícito

Entre julho de 2021 e março de 2025, o município de Nhamundá recebeu R$ 33.432.384,00 em royalties do petróleo, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Com base no percentual de 20% previsto no contrato, o escritório de advocacia contratado teria recebido aproximadamente R$ 6.686.476,80, sendo confirmados pagamentos de R$ 3.965.976,81 até agosto de 2023.

Diário de Justiça Eletrônico Nacional de 15/09/2025

A ACP aponta que, caso o município perca a ação que originou os royalties (Processo nº 1072762-16.2020.4.01.3400), será obrigado a devolver integralmente os R$ 33 milhões, mas os honorários pagos ao advogado não são ressarcíveis, configurando um claro enriquecimento sem causa às custas do erário público.

“O contrato configura alto impacto orçamentário e expõe a municipalidade a riscos financeiros desnecessários”, diz o documento.

Falta de transparência e dano moral coletivo

A Prefeitura de Nhamundá, sob gestão da prefeita Raimunda Pandolfo, também é acusada de agir com opacidade administrativa, dificultando o controle social e mascarando a aplicação dos recursos. O TCE/AM constatou a “flagrante inobservância ao dever de transparência”, já que o Contrato nº 033/2021 não estava disponível no Portal da Transparência.

O MP requisitou detalhamento sobre a aplicação dos royalties, mas a prefeitura limitou-se a enviar balancetes genéricos e ordens de pagamento, sem identificar obras ou serviços específicos.

“A destinação dos referidos recursos foi devidamente esclarecida através de acompanhamento fiscal”, respondeu a administração municipal de forma evasiva.

O MPAM sustenta que esta opacidade configura dano moral coletivo, já que viola o direito da população à informação e ao controle social, pleiteando indenização de R$ 1.000.000,00.

Contraste entre discurso oficial e realidade do município

Enquanto milhões de reais eram recebidos pelo município, a população continuava sofrendo com serviços públicos precários. Dois exemplos destacados pelo MPAM evidenciam o descaso:

  • Escola Municipal Veneza: Localizada no Alto Nhamundá, funciona sem energia elétrica e acesso à água potável. As instalações sanitárias consistem em um buraco no chão, cercado por mata.
Diário de Justiça Eletrônico Nacional de 15/09/2025

Em 2020, a prefeitura assinou um termo de contrato para construção da Escola Municipal de São Sebastião, orçada em R$ 1.917.009,19 por meio de repasse do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), previa a entrega de uma unidade com quatro salas de aula e quadra poliesportiva. No entanto, segundo informações do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec), a obra encontra-se paralisada, evidenciando mais um exemplo de recursos federais que não se converteram em benefícios concretos para a comunidade estudantil.

  • Abatedouro Municipal: Interditado há mais de seis meses por irregularidades sanitárias graves. A prefeitura alega esperar recursos de emenda parlamentar, mesmo recebendo milhões em royalties.
Foto: Adaf

“Um município que recebeu mais de 33 milhões de reais em royalties petrolíferos permanece de braços cruzados, aguardando pacientemente recursos de emenda parlamentar para solucionar problema sanitário gravíssimo”.

Em fevereiro deste ano, a Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf) interditou o Abatedouro Municipal de Nhamundá, após fiscalização. Segundo a Adaf, o abatedouro não contava com nenhum serviço de inspeção oficial – o que é obrigatório para esse tipo de estabelecimento.

Decisão judicial e medidas de urgência

Diante do cenário de riscos financeiros e ausência de transparência, o juiz Marcelo Cruz de Oliveira concedeu a tutela de urgência, determinando a suspensão imediata do contrato com o escritório de advocacia, sob pena de multa de R$ 50.000,00 por pagamento realizado e a criação de um portal específico e detalhado sobre os royalties, a ser implementado em 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, limitada a R$ 500.000,00.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *